quarta-feira, 8 de outubro de 2014

A canção do Espantalho

Todos cometemos erros. Grandes, pequenos... enganos.
Somos falíveis, imperfeitas criaturas que aprendemos às turras. Quando, e se, aprendemos.

Como já comentei antes num outro post, as nossas atribulações atuais são trazidas por muitas das soluções que demos a problemas que tivemos. Aplicamos soluções imediatas e, sorrindo, demos tapinhas nas costas uns dos outros. Nunca mais voltamos a pensar no assunto.
Bom, o assunto está ali, batendo na nossa porta...


Escolha um tema. Qualquer um, não importa. Veja as soluções aplicadas. Mentalize essa solução sendo aplicada milhares, milhões de vezes sem conta. Imagine (sim, este é um exercício de mentalização, desculpe) o que acontece com a aplicação de soluções pontuais a longo prazo.

Vou citar um exemplo.
Num sistema fechado, numa comunidade qualquer, elimine os agentes patogênicos (reduza contato externo), aumente a alimentação e o conforto e veja o que acontece. Haverá um aumento, quase que imediato, da população, uma diminuição da mortalidade até um ponto de estabilidade a partir do qual, a curva ascendente declina e se estabiliza na horizontal. Entropia constante.
Neste ponto acontecem várias coisas: o espaço diminui e o conforto também. Começam a aparecer conflitos. Por espaço, comida, conforto em fim. O sistema se fecha (collapses) sobre si mesmo até extingir. Desequilíbrio até equilibrar e, fim.
Lembre que falo de um sistema fechado, nada entra, nada sai.


O seu oposto, em sistemas abertos, onde podemos mudar os elementos (quase) sem aviso (em interação constante com o meio-ambiente).

Passamos a vida na flauta, imprevidentes e irresponsáveis.
Ao primeiro sinal de contrariedade, uns corremos todos à missa, às procissões, aos cultos dos deuses mais populares, aos de maior audiência.
E a gente pede. (Re)Clama socorros, bençãos e misericórdias à balde! Mas no tempo deles (o nosso), que casualmente, pode não ser o tempo de Deus. Se oceanos palpitam a cada mil anos, qual será o tempo de Deus, que conceitualmente, É muito maior?
E qual será a velocidade da sua reação entre ouvir o clamor dos seus 'filhos mui diletos' e agir de acordo ao seu merecimento?
Outros correm a por fogo em ônibus, solução atávica que, supõem eles, deverá chamar a atenção dos 'poderes divinos' e acelerar a solução do causo em questão.

Cortamos as árvores e cobrimos com cimento a grama. A isto chamamos de evolução e progresso!
Máquinas interrompendo a natureza. Como se ela, por sermos cegos e surdos, não visse nem ouvisse o grito de cada árvore viva que cai, ou que arde. Somos limitados, medimos tudo a fronteiras, espaços e tempos. Criamos até tecnologia para isso. Chamamos de relógio a milimétrica repartição do tempo em claros e escuros, dia e noite. Confiamos mais na máquina do que nos sinais que a natureza nos brinda gratuitamente.
Chegamos aos desplantes de irritar-nos com o canto do galo e dos pássaros às 04h51 da manhã, pois temos que levantar às 05h para preparar-nos para ir trabalhar!
Afinal, isso é civilizado!

Nossa evolução toda foi imposta por sobrevivência. Unidos a contragosto em bandos para defesa, para coleta, para colheita e produção. Aprendemos por meme que a sombra do bando em movimento não somente afasta o predador mas, somadas forças, em fáscio, nos torna fortes.


Quantas vezes não escutei: "o transporte não funciona!" ou "a água nunca vai acabar! Tem de monte nos rios, nos mares e oceanos!" Como fazer entender que a água, assim como a paciência, um dia acaba. Quem tiraria a água? "Afinal eu pago todo mês para regar com ela o cimento da calçada! Tenho dinheiro para isso!"
Quando a água acabar, primeiro (re)clame aos céus (de novo?), depois regue com dinheiro a calçada... veja os efeitos.

Por esses e outros exemplos, lembrei-me de um personagem cheio de paixões e quereres. O Espantalho de "Alice na Terra de Oz". E entendi, finalmente, quando ele diz.
"Se eu tivesse um cérebro, passaria as horas falando com as flores, consultando com a chuva. E coçaria minha cabeça enquanto pensamentos estariam ocupados incubando".
Mesmo do seu jeito inocente e ingênuo, acha que a solução para tudo está em... pensar na solução. Com perguntas simples e diretas, demostra sua infantil ignorância. Não teme nada, "exceto um fósforo acesso" e sua justificativa é, exatamente, não ter cérebro para poder se meter em problemas. Ou, criá-los.
Negando ingenuamente aquilo que mais quer.

Ao meu ver (às favas com o 'achismo'!), somos todos, ou uma grande, enorme maioria, como o meme do espantalho da Alice. Negamos a nós mesmos, aquilo mesmo que mais desejamos. Fomos treinados para isso. Dificilmente levantaremos e gritaremos: "Basta!" E, quando finalmente o fizermos, de tão atabalhoado, solucionaremos um problema imediato e ao mesmo tempo plantaremos as sementes para outro no futuro.

O conceito criado por Richard Dawkins em 1976, "meme" é uma ideia ou estilo que se espalha de pessoa a pessoa dentro de uma cultura. Um meme age como unidade mínima de informação para carregar ideias culturais, símbolos ou práticas que podem ser transmitidas de uma mente a outra através de escrita, fala, gestos, rituais ou outro fenômeno imitável com um tema mímico. O estudo dos modelos evolutivos da transferência de informação é conhecido como memética.

Escute comigo:



(Scarecrow)
I could wile away the hours
Conferrin' with the flowers
Consultin' with the rain
And my head I'd be scratchin'
While my thoughts were busy hatchin'
If I only had a brain

I'd unravel any riddle
For any individ'le
In trouble or in pain

(Dorothy)
With the thoughts you'd be thinkin'
You could be another Lincoln 
If you only had a brain

(Scarecrow)
Oh, I would tell you why
The ocean's near the shore
I could think of things I never thunk before
And then I'd sit and think some more

I would not be just a nuffin'
My head all full of stuffin'
My heart all full of pain
I would dance and be merry
Life would be a ding-a-derry
If I only had a brain


Diga se não parecemos com o Espantalho, perdidos numa arquitetura do pânico, à qual nunca estaremos atualizados.
E agora licença, pois "I'll be thinking of things I never thunk before, and then I'll sit and think some more..."



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